r7 -21/05/2022 15:05
Na última semana, o mundo acompanhou um crescimento rápido no número de casos da varíola símia, ou
varíola dos macacos, principalmente em países da Europa. O vírus, porém, já
se espalhou pelos continentes da América do Norte e da Oceania. O número de
diagnósticos confirmados e casos suspeitos passa de uma centena.
De acordo com a virologista Camila Malta, pesquisadora do
Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo) e do Instituto de Medicina Tropical,
nenhum país está livre de ter casos.
“Não tem como prever nada, mas não tem por que ela não
chegar ao Brasil. Não dá para saber por qual país da América do Sul ela vai
entrar, mas sabemos que tem uma grande conectividade por São Paulo, Brasília e
Rio de Janeiro. É possível que venha dos países com casos por essa rota. Mas é
só uma suposição”, explica a especialista.
Ela acrescenta: “A OMS [Organização Mundial da Saúde] chamou uma reunião urgente para
definir se é uma situação de emergência. Diante disso, não tem como a gente
achar que o Brasil está seguro, nenhum país está seguro”.
O que causa estranheza entre as autoridades sanitárias é
que, nas outras vezes em que casos de varíola dos macacos surgiram fora de
países africanos, onde a doença é endêmica (ocorre habitualmente), os surtos
eram localizados. Agora, a transmissão está mais rápida e já há casos de
propagação comunitária.
“É uma doença que não era para ser de transmissão tão fácil,
porque o hospedeiro natural dela não é humano, provavelmente é um roedor.
Embora seja a doença símia, o hospedeiro mais natural acredita-se que é um
roedor”, diz Camila.
Uma das possibilidades estudadas é que o vírus tenha passado
por mutação que facilitou a transmissão entre humanos.
“Foram sequenciados os primeiros genomas em Portugal, ainda
está em análise, então não podemos afirmar nada. Será que ele sofreu alguma
mutação que facilita a transmissão de humano para humano e, por isso, estamos
vendo esse surto agora? Ainda não dá para saber, mas é uma hipótese”, ressalta.
No primeiro relatório de análises dos genomas feitos em
Portugal, os pesquisadores afirmaram:
“Uma primeira análise filogenética rápida do esboço do
genoma indica que o vírus de 2022 pertence ao clado [ramo] da África Ocidental
e está mais intimamente relacionado ao vírus associado à exportação do vírus da
varíola do macaco da Nigéria para vários países em 2018 e 2019, nomeadamente o
Reino Unido, Israel e Singapura. Esses dados e análises preliminares serão
atualizados em breve com a liberação de novos dados do genoma, que serão
importantes para elucidar a origem e a disseminação internacional do vírus
atualmente circulante.”
Diferentemente do que ocorre com o Sars-CoV-2, que causa a
Covid-19, o vírus da varíola não passa por mutações rápidas, por ser de
DNA – o coronavírus é de RNA.
Fabian Leendertz, do Instituto Robert Koch, descreveu o
surto como uma epidemia.
"No entanto, é muito improvável que esta epidemia dure
muito. Os casos podem ser bem isolados por rastreamento de contatos, e também
existem medicamentos e vacinas eficazes que podem ser usadas se
necessário", disse ele em entrevista à agência de notícias Reuters.
Transmissão
A transmissão da varíola símia se dá por meio de contato
prolongado ou pelo compartilhamento de roupas, roupas de cama e toalhas entre
uma pessoa saudável e outra infectada.
“Quando falamos de roupa, é um fato. A varíola tem essas
pústulas, então todo o material e roupas que a pessoa entra em contato ficam
contaminados. Só que é um vírus de transmissão aérea, mas não por gotículas
pequenas, como é a Covid-19. No caso do poxvírus [família desse tipo de
patógeno], precisa de mais, uma gotícula grande, que tem de ser um beijo ou
falar muito de perto por muito tempo, para aumentar a chance dessa
transmissão”, destaca Camila Malta.
O período de incubação da doença pode ser de 5 a 21 dias,
mas a virologista explica que a transmissão se dá a partir dos primeiros
sintomas da doença, que não são as feridas na pele, a principal marca da
varíola.
“Essa doença nem sempre vai manifestar pústulas, então ela
pode ser totalmente benigna, e a pessoa só ter um estado febril. Agora, por
exemplo, estamos em um outono rigoroso no Brasil; aparece uma pessoa com dor de
cabeça, febre, rash cutâneo [erupções na pele], dor muscular, você vai pensar
em dengue, Covid. Até ela ter a manifestação dermatológica, ela já transmitiu o
vírus”, alerta.
Para que a transmissão entre humanos ocorra, o" vírus
precisa estar replicando, e a pessoa precisa estar manifestando um sintoma,
mesmo que leve", afirma.
"Ela tem de estar doente, porém, não necessariamente
com manifestação de pústula. Uma pessoa pode ter dor de cabeça forte, outra
pode ter as manifestações dermatológicas, e outra não sentir nada, e as três
estão transmitindo."
Uma das notícias que tranquilizam as organizações de saúde é
que a doença tende a ser leve e ter letalidade muito menor que a da varíola
tradicional, que foi erradicada mundialmente com o auxílio de vacinas. De
acordo com a OMS, esses imunizantes têm eficácia em torno de 85% contra a
varíola dos macacos.
Há também um medicamento antiviral, com uso aprovado no
Estados Unidos, para tratar a doença, o Tpoxx (tecovirimat). Entretanto, no
geral, o que se faz é controlar os sintomas e esperar o clareamento das
erupções.
Por tudo isso, a pesquisadora diz acreditar que o controle
desse surto tende a ser mais rápido.
“A esperança é que isso não se torne uma emergência como foi
a da Covid-19, mas não acho um cenário tão otimista, já que a cada dia um país
novo detecta esse vírus. Porém, dispomos de tecnologia de construção de vetores
vacinais, de esqueletos vacinais muito mais rápida do que a gente acreditou que
a gente fosse capaz. Embora seja preocupante, é melhor do que seria há 20 anos
para o controle desse novo surto”, finaliza.
Na Europa, a preocupação é que as festas de verão possam
aumentar o tamanho do surto se não houver controle da transmissão nas próximas
semanas.
"À medida que entramos na temporada de verão na região
europeia, com reuniões de massa, festivais e festas, estou preocupado que a
transmissão possa acelerar, pois os casos atualmente detectados estão entre
aqueles que praticam atividade sexual e os sintomas são desconhecidos para
muitos", afirmou o chefe da divisão europeia de OMS, Hans Kluge, em
comunicado.
Para a consultora médica chefe da UKHSA (Agência de
Segurança da Saúde do Reino Unido), Susan Hopkins, é esperado um aumento no
número de novos diagnósticos.
"Antecipamos que mais casos seriam detectados por meio
de nossa busca ativa de casos nos serviços do NHS [Serviço Nacional de Saúde do
Reino Unido] e maior vigilância entre os profissionais de saúde. Acreditamos
que esse aumento continue nos próximos dias e que mais casos sejam
identificados na comunidade em geral. Além disso, estamos recebendo relatórios
de outros casos identificados em outros países do mundo."