The New York Times -05/01/2024 21:18
Eliminar uma infecção com o antibiótico certo pode parecer
um ato mágico. A dor de garganta aguda melhora, a tosse diminui, a dor de
ouvido desaparece. Um tratamento pode nos salvar da pneumonia e nos proteger
durante uma cirurgia. A penicilina foi aclamada como uma das maiores
descobertas da medicina.
Mas os antibióticos também podem ser tentadores. Sua função
é matar ou inibir o crescimento de bactérias, mas muitas vezes os usamos para
tratar corizas e resfriados, que geralmente são causados por vírus. Estima-se
que 28% dos antibióticos prescritos para crianças e adultos sejam
desnecessários. Quando um vírus, como aqueles que causam a gripe ou a Covid,
está causando sintomas, o antibiótico não só não ajuda, como também pode
prejudicar.
Segundo o dr. Martin Blaser, autor do livro Missing
Microbes e diretor do Centro de Biotecnologia Avançada e Medicina na
Universidade Rutgers, tomar um antibiótico é como bombardear os trilhões de
microrganismos que vivem no intestino, matando não apenas os ruins, mas também
os bons. As bactérias resistentes a medicamentos já existem no corpo; as
benéficas ajudam a mantê-las sob controle. Quando um antibiótico elimina as
segundas, as primeiras podem proliferar, tornando as infecções mais difíceis de
tratar. Com o uso excessivo de antibióticos, nossos micróbios estão desaparecendo.
Trata-se de uma crise com consequências de longo alcance que os cientistas
ainda não compreendem em sua totalidade. "Acredito que a profissão médica,
de maneira geral, tem superestimado o valor dos antibióticos e subestimado o
custo com regularidade", afirmou Blaser.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a resistência
antimicrobiana é uma das ameaças principais à saúde pública global. Estima-se
que anualmente, nos Estados Unidos, ocorram cerca de 2,8 milhões de infecções
resistentes a antimicrobianos, que resultam em mais de 35 mil mortes. Quem toma
muitos antibióticos corre maior risco de desenvolver uma infecção refratária ao
medicamento e de transmiti-la a outras pessoas, o que pode contribuir para o
aumento de bactérias resistentes, às vezes chamadas de superbactérias. Além
disso, o uso regular de antibióticos também pode nos tornar mais suscetíveis a
outras doenças.
Os antibióticos também prejudicam as bactérias intestinais
boas, responsáveis pelo metabolismo, pela digestão de alimentos e pela educação
do sistema imunológico. Atualmente, pesquisadores estão estudando se isso pode
levar a distúrbios metabólicos, como diabetes tipo 2, e a doenças autoimunes.
Estudos em animais sugerem que o consumo inadequado de antibióticos gera
doenças crônicas. Os dados sugerem que isso também ocorre com o ser humano,
informou a dra. Lauri Hicks, diretora do Escritório de Administração de
Antibióticos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, mas a ligação entre
o uso de antibióticos e doenças crônicas diversas requer mais estudos.
Nos últimos anos, especialistas têm defendido uma
reformulação da maneira como usamos esses medicamentos. "Isso é uma
maneira de pensar. É preciso se livrar dessa mentalidade tradicional, até certo
ponto americana, de que os antibióticos são sempre bons e não causam
danos", disse a dra. Sara Cosgrove, professora de medicina na divisão de
doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
Aqui estão algumas dicas sobre como ter uma conversa aberta
com seu médico sobre antibióticos, na esperança de evitar prescrições
desnecessárias.
Pergunte se o antibiótico é de fato necessário
• Se seu médico sugerir um antibiótico, responda:
"Certo, doutor, o que estamos tratando?", recomendou o dr. Jeffrey
Gerber, professor associado de pediatria e epidemiologia da Escola de Medicina
Perelman da Universidade da Pensilvânia.
• Adquira uma compreensão clara de qual infecção bacteriana
o antibiótico está combatendo.
• Pergunte se há algum teste para garantir que o medicamento
é indicado e se você pode esperar alguns dias para aviar a receita se não
estiver melhorando. "É necessário um pouco de ceticismo", afirmou a
dra. Emily Spivak, médica especializada em doenças infecciosas da Faculdade de
Saúde da Universidade de Utah.
• Também pergunte qual medicamento tem menos efeitos
colaterais. Adultos e crianças costumam ir ao pronto-socorro em razão de
problemas decorrentes do uso de antibióticos. Um antibiótico de amplo espectro,
capaz de combater muitos tipos diferentes de bactérias, pode eliminar mais
bactérias boas e na maioria das vezes tem mais efeitos colaterais, como
diarreia. Pode também levar a uma maior resistência a antibióticos, embora haja
casos em que pode ser o tratamento adequado. Seu médico ou farmacêutico pode
explicar que tipo de antibiótico está sendo prescrito e também informar se uma
opção de espectro mais restrito pode funcionar.
• Independentemente do que seja, não peça um antibiótico:
estudos sugerem que os médicos são mais propensos a prescrever o medicamento
quando percebem que os pacientes esperam que ele seja receitado.
Peça o tratamento mais curto
Durante muito tempo, acreditou-se que, se não se completasse
todo o tratamento com antibióticos, as bactérias poderiam se tornar
resistentes. Mas os dados comprovam que, quanto mais tempo você toma
antibióticos, maior será a probabilidade de ficar suscetível a outra infecção
bacteriana. "Depois de minimizar os custos biológicos dos antibióticos ao
longo de décadas, os cientistas estão encontrando provas de que os tratamentos
mais longos são mais prejudiciais que os mais curtos. No futuro, isso vai mudar
a maneira como abordaremos a duração do tratamento", explicou Blaser, que
não esteve envolvido no novo estudo.
O estudo também começou a mostrar que tratamentos mais
curtos com antibióticos para algumas condições podem ser tão eficazes quanto os
mais longos. Blaser contou que, quando começou na medicina, os médicos
costumavam tratar uma infecção simples do trato urinário com antibióticos
durante duas a três semanas, mas agora o tratamento pode levar três dias ou
menos.
A Faculdade Americana de Médicos recomenda cursos mais
curtos de antibióticos para tratar infecções bacterianas comuns, como a
pneumonia adquirida na comunidade. A maioria dos casos não requer antibióticos
por mais de cinco dias.
De acordo com a Academia Americana de Pediatria, para a
maioria das crianças o curso de antibióticos indicado para uma infecção sinusal
foi reduzido pela metade, e agora é de cinco a sete dias, semelhante à
recomendação para a pneumonia adquirida na comunidade.
Alguns médicos, contudo, ainda prescrevem tratamentos mais
longos. Se esse for seu caso, Hicks recomenda perguntar respeitosamente se é
necessário fazer o curso completo.
Evidentemente, até mesmo os especialistas que criticam o uso
excessivo de antibióticos tomam o medicamento quando é de fato necessário.
Blaser fez um curso completo quando notou um alvo enorme no torso, marca
característica da doença de Lyme. Cosgrove também fez o mesmo, depois que foi
arranhada por seu gato. "A vermelhidão estava subindo pelo meu braço. Com
certeza os antibióticos eram indicados", disse. Um período curto de
tratamento logo resolveu o problema e nenhum dos médicos tomou antibióticos
desde então.