AFP -25/02/2024 10:10
O governo da Colômbia anunciou, nesta sexta-feira, 23, que
em abril começará a extração de objetos de 'valor incalculável' que fazem parte
do tesouro do galeão espanhol San José, submerso há três séculos no mar do
Caribe.
Sete anos após a histórica descoberta do navio afundado ao
longo da costa de Cartagena, as autoridades começarão a recuperar as peças
debaixo d'água, disse o ministro da Cultura, Juan David Correa, à AFP.
O tesouro, cujo valor é estimado em bilhões de dólares, está
lá desde junho de 1708, quando o navio à vela foi emboscado e afundado por um
esquadrão inglês .Entre abril e maio, será realizada uma 'exploração de alguns
materiais que estão superficialmente no leito' do galeão para ver como reagem
ao serem retirados da água e preparar a recuperação do restante dos bens,
explicou Correa.
Os trabalhos custarão mais de 4,5 milhões de dólares (22,2
milhões de reais) e serão realizados com um robô que desce até 600 metros de
profundidade, onde está o navio. Assim, 'são extraídas sem modificar e sem
agredir o pecúlio, algumas coisas que estão lá', como cerâmicas, conchas e
pedaços de madeira, acrescentou o ministro em uma entrevista à AFP a bordo do
navio ARC Caribe.
Os especialistas trabalharão a partir desse enorme navio da
Marinha em um ponto no mar ainda secreto, para não alertar caçadores de
tesouros e piratas sobre a localização da descoberta arqueológica, considerada
uma das maiores da história colombiana.
O San José naufragou nas águas próximas a esta cidade
caribenha turística e ponto chave do comércio entre a América e a Espanha
durante a época da colonização, após partir de Portobelo, no Panamá, repleto de
vasos, joias, pedras preciosas, ouro, prata e canhões.
Correa não especificou se os metais mais valiosos do
tesouro, de 'valor incalculável' e que 'excede qualquer preço monetário', serão
extraídos na primeira fase. 'A maioria' dos elementos submersos sofreu uma
'alteração física e química', portanto provavelmente se desmancharão ao sair da
água, explicou a capitã Alexandra Chadid, pesquisadora da Marinha,
'Novo paradigma'
Desde que foi localizado em 2015, o galeão tem sido objeto
de disputas devido ao alto valor de sua carga de centenas de toneladas. A
Espanha reivindicava o carregamento com base em uma convenção da UNESCO da qual
a Colômbia não faz parte. Também indígenas bolivianos do povo Qhara Qhara
afirmavam que as riquezas foram retiradas de sua terra.
O governo do esquerdista Gustavo Petro, no poder desde 2022,
busca retirar o pecúlio do oceano com recursos próprios para contribuir com a
ciência e a cultura, à margem de controvérsias relacionadas à distribuição da
riqueza. A intenção é 'deixar de considerar que estamos diante de um tesouro
pelo qual devemos lutar, como se estivéssemos na era colonial dos piratas que
disputavam estes territórios', acrescentou Correa.
O embaixador espanhol em Bogotá, Joaquín de Arístegui
afirmou que tem instruções para oferecer à Colômbia um 'acordo bilateral' que
leve a um 'novo paradigma' entre os dois países em prol da 'proteção' do
galeão.Os representantes indígenas bolivianos em Cartagena expressaram seu
apoio ao projeto de Petro. Agora vão propor a devolução de algumas peças à sua
nação, 'não só pela questão simbólica, mas mais pela questão espiritual', disse
à AFP o líder indígena Samuel Flores. 'Queremos apenas que nossos ancestrais
estejam em paz', disse ele.
Litígio
Embora ainda não esteja definido, o governo colombiano
projeta que o San José seja acessível ao público por meio de uma exposição
virtual com inteligência artificial e que o local onde afundou se torne um
destino para pesquisas científicas.
'O mundo pode aprender muitíssimo (...). O galeão é muito
interessante do ponto de vista das ideias, da tecnologia, do processo naval, e
do ponto de vista humano, porque era habitado por 600 homens', afirmou o
arqueólogo português Filipe Castro, da Universidade de Coimbra.
A maior aproximação da aparência do galeão foi uma série de
vídeos revelados oficialmente em meados de 2022, filmados por um veículo
teleguiado e equipamentos de gravação de alta tecnologia que permitiram ver na
escuridão do fundo do mar.
O anúncio do governo sobre o início da extração coincide com
uma nova controvérsia, um litígio entre o Estado colombiano e a empresa
americana Sea Search Armada perante o Tribunal Permanente de Arbitragem.
A empresa alega ter encontrado o galeão antes, portanto,
reivindica direitos sobre 50% do tesouro, cujo valor é estimado em até 20
bilhões de dólares (98 bilhões de reais), segundo a reclamação.Paula Robledo,
diretora da Agência Jurídica do Estado colombiano, classificou essa
reivindicação de 'grotesca' e 'frívola', e anunciou ações de defesa legal.