cnn -29/03/2024 08:36
Cerca de 27% das crianças e adolescentes brasileiros sofrem
com dores sem causa específica em ossos, ligamentos e músculos – a chamada dor
musculoesquelética –, de acordo com estudo publicado recentemente no Brazilian
Journal of Physical Therapy. Além de contribuir para desmistificar o problema,
que, segundo os autores, é frequentemente subestimado por pais e profissionais
da saúde, conhecer sua extensão permite planejar melhor os gastos com dor
crônica em adultos, considerada a principal causa de incapacidade em todo o
mundo.
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que mais de 35% dos
brasileiros com mais de 50 anos sofram de dor crônica. No ano passado,
inclusive, foi sancionada a lei 14.705/23, que determina as diretrizes para o
atendimento desses pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Embora grande
parte dos fatores de risco para a condição sejam pouco conhecidos, um dos mais
bem estabelecidos é o histórico de
dor prévia – com relatos na literatura científica sobre seu aparecimento na
adolescência.
“Ainda assim, ao redor do mundo, há poucos estudos sobre
a prevalência de dor musculoesquelética entre jovens, com dados incertos,
variando de 4% a 40%, porque não utilizam conceitos padronizados”, afirma Tiê
Parma Yamato, pesquisadora associada da Universidade Cidade de São Paulo
(Unicid) e da Universidade de Sydney (Austrália) que coordenou a
investigação.
“No Brasil, esse número parece variar de 20% a 45% de acordo
com estudos prévios, porém, a grande maioria dos trabalhos
investigou condições musculoesqueléticas específicas, não
considerou o impacto da dor nas atividades de vida diária das crianças e
adolescentes e foi realizada em cidades de pequeno porte.”
Na pesquisa coordenada por Yamato, que recebeu financiamento
da FAPESP por meio de três projetos (17/17484-1, 19/10330-4 e 19/12049-0), 2.688 crianças e adolescentes com idade média
de 12 anos, provenientes de 28 escolas públicas e privadas dos Estados do Ceará
(cidade de Fortaleza) e de São Paulo (cidades de Itu, Salto, São Sebastião e
São Paulo), responderam a um questionário com perguntas sobre a ocorrência de
dor no corpo capaz de causar impacto em sua vida cotidiana, como faltar na
escola e/ou impedir a realização de atividades do dia a dia e/ou esportivas.
Entre esses jovens, 728 (27,1%) relataram ter sentido dor
musculoesquelética incapacitante nos 30 dias anteriores. As costas foram a
parte do corpo mais citada, por 51,8% dos entrevistados, seguida pelas pernas
(41,9%) e pelo pescoço (20,7%).
“Ao mesmo tempo que trazem um alerta para essa condição de
saúde nas crianças e adolescentes, que no momento não conta com um protocolo de
tratamento específico no sistema de saúde, esses números já nos estimulam a
olhar para o futuro: precisaremos cuidar da população jovem também se quisermos
diminuir a dor crônica nos adultos.”
O trabalho trouxe ainda outros dados importantes sobre as
características das crianças que mais sentiam dor: eram mais velhas (final da
adolescência), mantinham pior relacionamento com a família, apresentavam mais
sintomas negativos psicossomáticos, tinham menos qualidade de vida (também
avaliada por questionários) e pareciam gastar mais tempo assistindo televisão e
jogando videogame. “Mas vale lembrar que não observamos relação de causa nesse
estudo”, diz Yamato.
O mito da dor do crescimento
Além da participação das crianças no estudo, seus pais
também preencheram um formulário sobre a condição de saúde dos filhos e sua
percepção sobre esse tipo de dor.
“A literatura mostra que os pais tendem a subestimar as
queixas das crianças possivelmente por não possuírem um entendimento claro do
que é dor na infância e nós confirmamos que isso ocorre em 17% dos casos”,
relata Yamato.
Um dos fatores que podem explicar essa atitude e também
camuflar, de certa forma, a dor musculoesquelética é a crença na popular “dor
do crescimento”, que se refere a um possível incômodo das crianças nos
membros, especialmente inferiores. “Crescemos com esse conceito, mas, hoje, na
literatura científica, não há nenhum estudo que consiga provar que o
crescimento cause de fato dor.”
De acordo com a pesquisadora, se o seu filho relatar dor, é
importante ter a consciência de que ela pode trazer impactos, mas que também há
formas de abordá-la – a maior parte das medidas é baseada em atividade física.
“Não há motivo para preocupação excessiva, mas é importante conhecer a
condição, validar o sintoma e possivelmente buscar ajuda para aqueles que têm
suas vidas impactadas pela condição. Lembrando sempre que se trata de um
problema comum.”
Um estudo seguinte conduzido pelo mesmo grupo, cujos
resultados devem ser divulgados em breve, acompanhou essas crianças por um ano
e meio para entender a duração da dor e também seu impacto financeiro no
sistema de saúde.